quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Adie-se a dor lhe cai bem

Caixa de madeira: Clarice Lispector 
E há palavras que acertam por vez todos os sentidos, e que em um instante dilacera tudo que não estava em seu lugar, e o suspiro é transformado. Lentamente ele sai e como se fosse mil palavras consigo explicar o quanto pode ser o amor que ainda não existe. Mesmo que o buraco pareça sem fim, mesmo que tudo me carregue sob um vazio momento não deixo que acabe.

A pele com cortes finos, sangra lentamente, a dor afável estampada em meus olhos é um sinal de que a dor alimenta. Os olhos desviados de tudo que possa parecer um alivio é o momento de se perder.

Em ruínas dramáticas a verdade sobre uma história, onde o fim é o corte fino da carne. E se tudo pode acontecer no meio de tanto vazio, então que seja repentino. Com grandeza em suas marcas, são das cicatrizes que saem os maiores ensinamentos.

Do que me resta então os cortes finos na carne. A covardia
um instante grandioso, transformador, a renuncia a tudo que pode ser mudado, mas que está sempre sendo adiado. Adie-se a dor lhe cai bem.

..Érica Beltrame

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Todo Nosso

foto: Ipê - Érica Beltrame
O que você espera ou espera de você mesmo?
O que você aponta é o que realmente seus olhos vêem?
Seu passado e seu presente estão alinhados,
E todo o resto é um plano desconfigurado

Senta e tenta, você pode crê em um momento novo
Mas o que você realmente quer é seu passado fabuloso
Gramas e dramas e um momento desconfigurado

Senta e crê, o seu presente é muito mais passado
O seu futuro é a brasa do meu último cigarro
Mas não se acanhe o fracasso é todo nosso

Não compre seus sonhos
Venda sua nostalgia
Reescreva seu presente
Senta que o instante se prepara sozinho.

..Érica Beltrame

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Nuances, rascunhos e o feminino das coisas


foto: Érica Beltrame
Um instante e um futuro incerto, ondas de pensamentos, exageradas tentativas em descobrir qual o caminho percorrer, tudo parece ser igual à um rascunho escrito, fica meio bagunçado. São as novas e as velhas estórias!
Observo a vida lá fora da janela, acaricio as minhas mãos como se alguém o fizesse por mim, com a língua molho minuto a minuto os lábios secos pelo vento que entra pela fresta da janela, e, observo as nuances do final do dia.

Qual a velocidade que devo alcançar nessa vasta vida? Alguns pássaros sobrevoam aos redores todos os dias quando a tarde cai, existem árvores e coqueiros ao lado da janela. Esse cenário tende a deixar um alivio em momentos específicos, e esse momento, o de agora, posso afirmar que me faço aliviada.
Me sinto aliviada da minha própria angustia de sentir que ainda não sou.

A umidade deixada pela chuva que caíra a pouco me alivia a alma, o cheiro do asfauto molhado que entra pela janela, me excita. Existe um instante em que tudo se encaixa, as incertezas por um instante passa a ser parte do momento construído, cobranças de um mundo ousado de um mundo real. O movimento das nuvens é veloz e a noite chega e é contemplada, percebida! As estrelas apontam o universo que ali existe.

Por um instante o universo faz com que todo o resto não exista. E a minha excitação aumenta com a umidade da noite em dias de chuva. Nessa hora tudo se torna feminino.

..Érica Beltrame

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Um Inverno


foto: Érica Beltrame
Tem dia que algumas gavetas são abertas  e algumas coisas antigas são reviradas, e acabam tirando um certo entendimento de algo que nunca esteve no mundo das coisas antigas. Rompe com o que nunca estivera no mundo do que hoje é passado, são instantes, momentos que estão guardados e que fazem parte do mundo das coisas do hoje. Fazem parte do instante agora.

Sentir saudade da sua própria existência em determinado tempo, é como sentir o vento forte, mas tão forte capaz de mudar todas as coisas de lugar, capaz de mover todos os grãos de areia espalhado no fundo da gaveta. Faz abrir o pensamento para o momento eterno, faz sentir. 

Hoje o vento retorce a folha da janela e o horizonte continua a apontar para um final de tarde onde guardo minhas sonoras preferidas para contemplá-lo, é suave, e o inverno é o mesmo, mas o vento parece-me mais forte naquele instante do que o que eu tenho agora.

O próximo momento talvez eu não o guarde na mesma gaveta, talvez eu o embrulhe e solte ao vento, para que o meu presente possa recordar-se da minha existência. Possa trazer o momento mesmo que seja torto sem sentido, mas que se faça vivo, por mais esse instante, o agora.

..Érica Beltrame

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Tempo

foto: Perdido na Chapada dos Veadeiros - Érica Beltrame
Certa nostalgia me tomou por inteira agora.
Lembrança de um tempo que se fazia repleto de vontades, algumas minhas e outras que se faziam pelo instante, estas que estão cravadas nesse tempo que me toma o pensamento nesse exato momento.
O tempo agora faz com que algumas coisas pareçam maluquices, como a minha vontade de encher o chão com papeis para derramar cores sem intenção de formas, parece imaturo a minha vontade angustiante de correr em uma tarde fria para erguer a pipa no alto. Alto de um planalto saudoso que explode dentro de mim quase que todos os dias.

No tempo de hoje é maluquice subir em arvores, é estranho ficar olhando nos olhos de alguém sem dizer palavra alguma. É um estranhamento deslizar minhas mãos aonde vou descobrindo formatos de um corpo que se fez em um tempo que eu não estive presente. Hoje não consigo ser, pois não tenho o que se faz inteligível para mim mesma.

Não imaginava que existiria um momento em mim de fuga das minhas próprias vontades, é o amadurecimento. Estou em fuga, fugindo das vontades que me tiram o ar. Eu mesma não me explico o porquê de tudo isso. Talvez tenha sido o tempo, ou então a vontade de deixar que esse instante chegue quando nada mais apontar-se para outras vontades. Então viverei correndo do que realmente é para ser?
Viro todas as paginas e algumas parecem ser eternas, parecem não, elas são. O olhar e o meu sorriso não sintonizam mais. Não é tristeza. Tenho em mim a felicidade das coisas.

Hoje está sendo um dia em que correr para subir a pipa já me basta para ser o que eu realmente sou.
O tempo me tirou instantes que completavam momentos que deveriam ser eternos, eu não anulo nunca os clichês. O tempo me tirou instantes no qual me perdi em um amontoado de coisas que parecem ter chegado depois de um vendaval. Esse tempo passou levando instantes que eu ainda construía.

Não é infelicidade, eu sinto a alegria do que me faço hoje. Talvez seja uma questão de querer mais tempo em certos instantes.

..Érica Beltrame

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mapa

foto: Érica Beltrame
Todos os meus mapas indicam um mesmo destino. Confesso que às vezes me desgasto tentando mudar a direção, mas o que eu realmente quero é me desgastar ao seu lado. Então, aceita logo os meus tênis rasgados. Aceita logo meus discos de rock and roll e os meus jeans gastos. Senta do meu lado para ver o mundo ser salvo por algum super herói, por que o que eu realmente quero é me desgastar ao seu lado.

Vem comigo em um domingo cedo alisar os cabelos brancos da minha velha infância. Os meus mapas indicam um mesmo destino o que vem pela frente são pequenas mudanças. Vamos sentar e esperar o dia passar para irmos até a lavanderia buscar nossos jeans. Então vem comigo olhar a criançada se lambuzar de doce na festa de aniversario. Senta do meu lado e vamos passear a 40 por hora pelas ruas estreitas da cidade.

Vamos deixar o desgaste do tempo sobre as coisas que parecem não terem mudado de lugar, vem comigo porque os meus mapas indicam que chegaremos bem.

..Érica Beltrame

quarta-feira, 3 de março de 2010

O que se tem depois do amor?

foto:Érica Beltrame
Borboletas de seivas sangrentas
Borboletas de asas valentes
Percorrem pequenos labirintos
Devaneios volúveis

Borboletas sangram pela rua
Sua asas com batidas violentas traçam o vazio
Vale seco, céu cinza, a espera pela manha úmida
Existe sempre uma vontade feminina em tudo que se tem

Borboletas sangram pelas ruas
As gotas escorrem pelas janelas
Chuva fria rasgando os paralelepípedos dos guetos
Idéias se soltam nas batidas largas, suas asas rasgam o vazio

Cortes finos como de uma navalha espalhados
O corpo leve, livre de dores, rabiscos finos
Sangram as borboletas em suas batidas violentas
Anseio do encontro na cor dos olhos de quem a segue

Borboletas sangram pela rua
O ser amado querendo descobrir o amor
Desvendar nas batidas lentas
O que se tem além do que é sentido quando a despedida é certa

Asas que cortam o vazio
Deslumbrante como o amor
Nas linhas desenhadas em seu vôo não existe mais lacunas
São novos casulos e novas cores

O que se tem após o amor?

..Érica Beltrame

sábado, 20 de fevereiro de 2010

A parte de

foto: Érica Beltrame - Silhouette - 1912 0 Gustav Klimt

Quero fazer parte para tentar ser a parte de algo
Para tentar fundir algo na minha parte que tanto não me faz parte
Quero a parte que me falta, a parte que preenche a minha lacuna
Que parte é essa?

Quero a parte do todo que o meu resto é a parte que me falta
Eu quero é participar dessa parceria que me parece prateleira das partes perdidas
Eu quero encontrá-las e registrá-las
Eu quero a outra parte

Um balé suave e cheio de descobertas
Uma outra parte que parta
A parte da morte
Morte, palavra que assusta, temida pelos fracos, covardes em desejos
Morte tu que es tão forte, morte tu que es tão temida

Morte dançada aos que não fazem parte
Uma morte para todos que gritam suas mediocridades
Morte aqueles que mentem que são forte
Morte a todos que se afastam da sua própria parte

Redenção a quem faz parte da sua parte
Redenção as minhas vontades,
Sou uma parte do que está para ser.

..Érica Beltrame

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Todo amor tem seu preço

Obra Girl Before a Mirror, c.1932 - por Pablo Picasso

Uma vez a jovem se arriscou em um relacionamento onde a beleza era fato, foram dois anos de tentativas de entender tal beleza e de superar todos os obstáculos que a poderia tirar-la de perto de sua amada. A beleza de sua garota era tanta que ofuscava seu próprio ser, tinha dia que ela quase nem existia. E houve noites que temeu sair pelas ruas da cidade com sua amada, tremia aos prantos ao pensar que poderia voltar sozinha. Era caro transformar quase que todas as noites em uma noite romântica a dois.

Até que um dia não foi possível fazer uma noite romântica a dois e acabou voltando sozinha pra casa. Toda beleza tem seu preço, que todos nunca se esqueçam disso.
Os anos foram assoprados pelo vento e pelo tempo, as novas linhas da vida começaram a ser traçadas, surge ai um novo amor com uma beleza diferente de todas já vivida, tão diferente que às vezes parecia assombrar, agora, o que ela diz é que é feliz, e sua historia amorosa ganhou a feiúra das mulheres, mas está cheia de felicidade e prazer.

Os passeios pelas ruas da cidade continuam sendo feitos aos poucos o que a deixe aflita agora, é desfilar ao lado de tanta feiúra, as noites a dois são facilmente inventadas, agora já não se sente ofuscada, mas pensa toda vez que recusa um bom passeio entre amigos que todo amor tem seu preço.

..Érica Beltrame

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Uma a Uma

foto: Érica Beltrame

Esse é mais um gozo, um gozo que talvez seja incomparável a qualquer outro tipo que venha me acontecer. Eu nem esperava te-lo tão cedo. Está chovendo e faz frio, o dia hoje é definitivamente úmido, não há nada de seco a não ser meu estado.

As palavras estão começando a sair do meu imaginário, eu as imagino primeiro, depois fico sentindo uma a uma. Muitas delas parecem nem ser, mais quando as toco logo sinto seus batimentos. As palavras me batem na cara, e não é nada como os pingos da chuva, esses pingos são poéticos, aliviam a alma de quem esperava por algo que lavasse o que mostrava-se sujo.

Na minha cara fica forte, uma mascara de ferro, tem vida no seu teatro. Meu palco está aberto, e eu nem estava preparada, não ensaiei nada, não estou esperando ser ovacionada pela platéia. Espero só que o silêncio seja respeitado, não terei nada a dizer nessa cena que foi escrita por você. Estou preparada.

Bobagem querer escrever algo que faça sentido para tudo isso, é tão mais simples e seguro ficar sentada em frente à janela ouvindo a chuva, apreciando a cor cinza e seus variados tons no céu, quero algo que amorteça a queda, pois não sou como a chuva e sei que ao cair será como um cristal quebrando, não sobrará nada.

A queda é lenta, a platéia terá que participar só assim a queda será como tem que ser. Os pensamentos falam mais alto do que o próprio texto que não existe. Qual a sua preocupação nesse momento? Está pensando se vai quebrar? Está imaginando como é caro um cristal? As mãos já estão encostadas nos ouvidos? O medo!

Medo de ser muito alto o som ao tocar o chão, medo que espalhe e corte a face, medo ao pensar que não encontrará uma peça igual. Não deixe o ridículo tocar você, isso não tem valor, a queda é muito mais valiosa. Aprecie a queda, a lentidão pode te dar um gozo de perceber a beleza dos estilhaços que estarão prestes a ficar espalhados pelo palco.

Aprecie, goze da queda do cristal, goze o instante em que tocará o cão, o som do cristal poderá revelar algo novo aos seus ouvidos. Vamos! Não quero ninguém com as mãos nos ouvidos no momento em que largar o cristal. Quero que sintam coragem, quero que olhem e não se fechem. É apenas uma taça de cristal e a champanhe é da mais barata.

..Érica Beltrame 

Borboletas Amarelas

Foto: Érica Beltrame 


Borboletas amarelas voam sobre a grama verde
No céu, o azul avisa que vem chuva
O cheiro da terra sobe
Traz lembranças de quando corria
Corria para pegar a Borboleta amarela

Corria dentro e fora de casa
Andava pelo chão com os pés descalços
Ouvia sempre uma voz gasta pelo tempo
Que dizia – cuidado vai cortar os pés

Corria para pegar as borboletas amarelas
Corria para sentir o cheiro da terra subir
Esperando a chuva chegar

Os cortes nos pés me fazem falta
A voz gasta pelo tempo fica cada vez mais distante
A chuva demora a chegar
O cheiro da terra sinto somente quando me distraio

Mas a grama ainda é verde
Verde diferente daquela
Faz aqui uma grama seca, gasta
Uma grama que só se sente quando chove
Mas vejo as borboletas amarelas sempre
Passam com seu vôo deixando sempre a impressão de estarem perdidas
Não corro mais para paga-las
Hoje são elas que me pegam.

..Érica Beltrame