sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A vida em caixas


Sempre tive uma fascinação por caixas, tenho fortes recordações dos domingos que íamos almoçar na casa dos meus avós materno, e minha tia, tinha em seu quarto algumas caixas. Eu abria todas, e tinham sempre objetos fascinantes. Me lembro muito de um microfone, que eu sempre pegava e subia na tampa do poço no fundo do quintal para cantarolar, e meu irmão ficava com uma vassoura, um perfeito guitarrista, havia um canivete com um símbolo, era pequeno vermelho, esse não podia sair dali, mas podia mexer, ver como ele abrira tinha também fitas cassete, da Marina Lima, Chico Buarque, Elis Regina e Belquior que ouvíamos em um “Toca Fita Gravador National”. Agradeço todos os meus tios pelas dicas do que era bom para o presente e para o meu futuro. As caixas de fotos eram fascinantes, adorava ficar vendo fotos pelos monóculos, eram de várias cores, tinham fotos do casamento da minha avó, da família do meu avô, que moravam em uma colônia, onde havia um saci na beira de uma lagoa. Minha mãe sempre teve suas caixas, me lembro de uma que só tinha canhotos de talões de cheques. Nunca entendi muito bem o porque daquilo tudo, mas sabia que era importante e de valor, tinha também uma que ela guardava nossos sapatinhos de croché, essa sim era de grande valor.
Eu descobri o mundo fascinante das caixas no momento certo da minha vida, sempre tive as coisas do meu mundo em caixas. Não havia critérios para ser uma das minhas caixas, a não ser o de que a tampa obrigatoriamente tinha que estar em perfeito estado, afinal de contas, ninguém guarda nada em uma caixa sem querer que fique muito bem guardado e cuidado.  Me lembro de ter guardado meus cadernos do primário inteiro dentro de caixas, isso também tem haver com minha mãe, esses cadernos certamente existem na casa dela. Uma caixa nunca deixa de ser interessante, nunca joguei se quer uma caixa antes que nela algo fosse guardado, só eram descartadas caso a tampa fosse danificada. Tenho uma caixa de um tênis que deve ter mais de 15 anos, a tampa está perfeita.
Eu acredito que tudo que está em uma caixa é de valor, ou seja, quase todas as coisas do mundo para mim são dotadas de alguma forma de valor, eu gosto de dar valores para as coisas. Não é por acaso que as coisas existem, e se elas existem, elas precisam ter algum valor. Me lembro de ter guardado alguns pássaros mortos em caixas no quintal dos meus avós, era um valor sentimental importante, o pássaro viveu e vida tem valor. Tenho mantido contato com minhas caixas internas, tenho caixas na minha cabeça, as vezes faço o mesmo que faço com minhas caixas do mundo material, tiro tudo de dentro e não sei como colar tudo no seu devido lugar, e isso me rouba o tempo, e o tempo também está em caixas, o tempo e a vida, tudo pode estar em uma caixa.
Já vi caixas com valor insubstituível, guardei um amigo, na verdade suas cinzas foram guardadas em uma caixa, toquei-a no dia que ele foi guardado como se fosse um dos abraços apertados que ele me dava quando chegava eufórico de suas viagens. Talvez essa tenha sido a caixa mais valiosa que já toquei, afinal de contas uma amizade verdadeira é de uma valor indescritível, mesmo que eu sempre tente narrá-lo, não conseguirei de forma que possa ser inteligível. Peço a muitos anos que me guardem em uma caixa, porque se há valor, que seja guardado em uma caixa.
Estou em um momento de novas caixas, e estou revendo alguns valores, para não guardar nada que não exista um porque.
O fato é que tenho dado valor a quase tudo que conheço nesse mundo das minhas coisas, chega a me faltar o ar a possibilidade de não poder guardar tudo em caixas.
E assim, vou encaixotando a vida enquanto não me encaixotam, e reaprendendo os valores das coisas que podem ser guardadas.
..Érica Beltrame