quinta-feira, 18 de agosto de 2011

E a vida se atualiza

foto: Érica Beltrame
Eu não havia percebido a seca chegar. Os dias passaram tão desapercebidos, que a única coisa que notei foi o meu afável vazio. Mas em algum instante meus lábios começaram a sangrar tomados por essa secura, e agora nada mais se oculta.
Nesse instante ela (a secura) existe e começo freneticamente, a molhar os lábios repetidamente com minha língua. Com movimentos circulares lentos e às vezes rápidos, que levam saliva para umedecê-los. Sinto em algumas vezes certa neurose no ato, como se algo estive modificando meu estado lúcido me deixando em um transe, o transe da língua em busca dos lábios secos. Mas continuo fazendo.

A saliva está tão quente que me sinto um recipiente armazenando líquido inflamável, meus lábios estão quase em carne viva. Me senti desconformtável agora.
A ardência não me incomoda, percebo um prazer nisso tudo. Algo nessa secura ainda me agrada, estou prestes a me secar por inteira. Creio que pode ser essa a explicação, o prazer de ser inteiramente seca está presente agora. Mas já me senti seca antes, quando as palavras me faltaram, quando meu vazio estava totalmente vazio, sem nada para alimentá-lo, mas hoje é diferente.
Meu nariz esta levando o ar quente e seco aos meus pulmões, como uma navalha quando está sendo passada na barba velha em busca de rejuvenescer o que o tempo levou e não devolverá.

O meu afável vazio, esse é do meu domínio, e logo sei que o trago de volta. Se existe alguma estranheza certamente essa é causada pelos meus olhos. Tenho percebido uma cegueira, mas não é uma cegueira tradicional, nada em mim é tradicional, a não ser a vontade de estar presente nos almoços de domingo na casa de minha avó.

Minhas idéias permutam, me deixam confusas quando falo de minhas vontades tradicionais. O que mais existe de tradicional? Casar-se com o primeiro amor, não se desperdiça um bom partido, ou uma bela boca, ou então uma bela bunda.

A vida se atualiza, e o vento pode levar em um segundo a tradicional felicidade para longe. Não é questão de infelicidade. Estou tentando entender essa secura, nada mais.
É resultado de pouca umidade? Mas a umidade em diversos momentos me trouxe medo. Hoje eu desejo que tudo seja úmido, mas não falo do ar lá de fora, falo da umidade que poderia estar em meus lábios.
..Érica Beltrame

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